quarta-feira, novembro 30, 2005

Como o Narciso se olhava, ondulante, num espelho de água, digo eu, hoje: Faço anos!

terça-feira, novembro 29, 2005

Poemas da adolescência 33

À sombra e em pé de guerra,
fosse célere a minha busca...
Um finado se desterra
de um livro empoeirado.
Minha sapiência vã à sua custa,
pisado o grão em terra,
admitindo sobre o estrado
(em mão que se descasca e lavra
sobre a ambígua e melódica palavra)
a perdição em estado obstinado.
Suspirando palavras ocas,
adormeci enquanto as falava
e ouvia abanar a árvore das patacas,
a única num tal deserto de frio
cortante como facas.
Em desertos de lençóis e dunas erradas,
brindemos apenas a todos os sóis
e talvez a todas as estradas.
Sirvamos o vinho,
espreguicemo-nos em deleite,
percorrendo o caminho
da forma como enfeite,
que a beleza não me fará cair do tempo
num precipício sedutor,
luxúria vertiginosa,
espiral dos teus olhos
apaixonante e desencontrada,
ligeiramente estrábica.
Os rios desaguam no mar
e o galo cacareja há uma boa meia-hora.

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domingo, novembro 27, 2005

O futebol da então era moderna do século XVIII

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sábado, novembro 26, 2005

«Que diriam os jornais, no dia seguinte, de um jogo perfeito e sem casos?»

O meu velho amigo Kaiser, no seu E Então?, dia 20 de Novembro, no rescaldo latejante da vitória do Braga sobre o Benfica (3-2), falava de uma teoria... «Hoje, fiquei mais certo da minha teoria: não existem árbitros em Portugal, existem coisas parecidas...» Eu, por acaso, não concordei com a abordagem (desculpa-me, querido Kaiser), e não resisti deixar-lhe um comentário. Hoje publico-o aqui, antes que perca totalmente a actualidade. Aí vai:
Desde a imagem daquele golo da época passada num Benfica - FC Porto, na qual o Baía vai buscar a bola meio metro dentro da baliza, que eu desisti de praguejar ou culpabilizar os árbitros. Venha o chipzinho na bola, uma câmara paralela à linha de jogo com tecnologia do tipo foto-finish (à semelhança do atletismo), a bola no chipzinho, um gajo na mesa a ver as imagens em tempo real e útil para o árbitro dissolver uma dúvida ao interromper o jogo, um auricular no árbitro, o chip na baliza, a linha na câmara, a mesa do gajo, a televisão no foto-finish do gajo da mesa com um microfone para o auricular... o que mais justamente possa avaliar e julgar o apuramento de um lance, PARTICULARMENTE SE EM CASO DE GOLO - e Portugal já sofreu muito com isso, recorde-se a célebre meia-final com os ingleses, no Mundial de 66... Por mim até podiam pensar em dilatar o tempo de jogo; descontar parcimoniosa e pacientemente os minutos mortos. Muitas partidas houve que se jogaram num somatório de 30 a 40 minutos. Desde que não interfiram com o desempenho dos jogadores, está tudo bem.
Mas a questão é deveras outra: no futebol não poderia fazer-se Justiça. Como poderia o ópio do povo ser a única manifestação social a processar-se sem embustes e profundas injustiças? Que exemplo daria o futebol à sociedade? Tal provocaria uma revolução! «Errar é humano»?! Sejam então só os jogadores a errar! Façam um favor aos árbitros. Assim, apitavam descansados, sem transmitir aquela angústia para dentro de campo. E não esqueçamos que os árbitros são profissionais, mas da banca, das seguradoras, da função pública... Saem à pressa dos seus empregos diários para arbitrar jogos ao fim do dia, por vezes em cidades outras que não a sua.
Crie-se a campanha «OS ÁRBITROS SÃO NOSSOS AMIGOS», e o cântico, lengalenga ou pregão de estádio «O ÁRBITRO DÁ O LITRO; SÓ ELE SOPRA NO APITO». Metam as câmaras, o chip, usem transmissores, e façam, inclusivamente, do tempo útil de jogo, tempo real de jogo. Para isso, pensarão em aumentar o número possível de substituições. Façam-no também, se quiserem. A bola continua redonda para ambas as equipas. Só quem foge às regras pode estar interessado na sua ilusão difusa, constatada à hora de jantar, na tv, e pela noite dentro... pela semana dentro! No dia seguinte, que diriam os jornais, inflamadamente, acendendo o rastilho da paixão irracional, de um jogo perfeito e sem casos?

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sexta-feira, novembro 25, 2005

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quinta-feira, novembro 24, 2005

5000 visitas!

Não esperava ver o Caderno de Corda atingir a marca da meia miríade tão cedo. O balanço é positivo. A subida da escada vai, degrau a degrau, ganhando altitude, mas o ar vai também tornando-se rarefeito. Quero eu dizer que escasseiam os poemas, que não se escrevem com compulsividade diária, como notícia produzida. Quero eu dizer que, por vezes, e em particular ultimamente, não resta tempo nem disposição física e mental para fazer do Caderno de Corda mais e melhor, em concordância com o que eu próprio desejaria que fosse... Quero eu dizer que, por vezes, somos desviados do caminho nosso, da tendência natural, intrínseca, inata, que nos leva livremente rumo aos nossos desejos, que nos permite tornarmo-nos melhores, encontrarmo-nos connosco e com o que realmente sabemos e podemos concretizar e fazer; sermos mais felizes. O Caderno de Corda continuará... enquanto houver estrada para andar. A fasquia das 5000 visitas é um pequeno alento para prosseguir dando conteúdo a este blogue que, garanto, é único. Como este não há mais nenhum! O agradecimento a todos os visitantes ocasionais e habituais. Como aqui já havia escrito, ninguém escreve para não ser lido, e eu não fujo à regra.

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quarta-feira, novembro 23, 2005

"Escada Celestial" de S. João Clímaco (The Ladder of Divine Ascent)

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terça-feira, novembro 22, 2005

Poemas da adolescência 32

Hoje fiz nada.
Perdi-me, gastei-me
e deixei a cabeça poisada.
Senti-me como água em azeite,
abri-me numa ferida sarada
e restei, pungente,
como sorriso aos pés da escada.
Veio o deleite de fazer nada, ser nada;
a inércia indolente, estafada.
Hoje fiz nada.
Perdi-me, gastei-me
e deixei a cabeça poisada.
Senti-me como água
mas, depois, como azeite,
pesado e denso,
um sorriso ao fundo da escada.

n.b. - Um beijinho à sister Tânia Lara Gustavo, que, no meu dia de anos, me ofereceu um livro de Henry Miller chamado "O sorriso aos pés da escada".

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segunda-feira, novembro 21, 2005

«Todos os animais são iguais»... simplesmente «alguns são mais iguais do que outros»...

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domingo, novembro 20, 2005

Na reserva anatomofuncional do canal raquidiano...

Estava a ver televisão. Zapping. A TVI transmitia o reality show do momento, ideia provável de algum perspicaz e astuto militar assessor de marketing. Como não vou dedicar prosa ao dito programa, só pergunto: será que vamos entrar em guerra nos próximos dez anos, estando o serviço militar na moda?

Minutos depois, renegando o contributo para o share televisivo da dita estação, lia umas coisas na Internet e deparei-me com uma frase apropriada do génio Albert Einstein, extraída do livro "Como vejo o mundo":

«Detesto quem é capaz de marchar em formação com prazer ao som de uma banda militar. Nasceu com cérebro por engano; bastava-lhe a medula espinal.»

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sábado, novembro 19, 2005

Não era esta a foto/imagem que eu tinha em mente publicar... Estava a pensar em algo do género do nosso (de Baby Jane) logo, mas não o tenho no PC... Também não tenho fotos de concertos... Pintão, não me dás uma ajuda? Mandas-me isso para o gmail pra eu publicar em vez desta?

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sexta-feira, novembro 18, 2005

Agora sim: Música, Maestro!

Não tive disponibilidade para, nas últimas 24 horas, ver as novidades... Na quarta-feira publicara a letra da música Italian Wool, sabendo que, em pouco tempo, o Manuel Natário, a quem mais uma vez agradeço, introduziria as três músicas que agora se podem aqui ouvir. O Caderno de Corda é, a partir deste momento, mais um pouco de mim e dos que me rodeiam. As visitas de algumas pessoas que caminharam, lutaram e sentiram comigo a música ao longo de anos, encheram-me de alegria e confesso ter sentido, ao ler os comentários e deparar-me com um Caderno de Corda sonorizado de sonhos próprios realizados, um arrepio na espinha...
As letras de Dia Final e Universo de 1 já haviam sido publicadas nos dias 18 de Maio, quarta-feira (Universo de 1), e 4 de Junho, sábado (Dia Final). Se quiserem lê-las ao cantarolar, podem fazê-lo. Estão aí para baixo nos dias referidos. Aproveito apenas para dizer que Dia Final e Universo de 1, ao contrário de Italian Wool, foram gravadas já em 2001 e tive apenas a colaboração de mais um músico, por sinal um grande, grande amigo: Paulo, fundador de Baby Jane e baterista. Toda a instrumentação e produção nestas duas músicas, além da bateria, que o Paulo gravou decididamente e com determinação que lhe é própria, é minha. Mais uma vez dei, além de tocar baixo, teclas, guitarra (claro!), viola e outros arranjos, a voz ao manifesto.
Não posso deixar de referir os nomes dos meus eternos amigos Paulo Amaral, Ricardo Tomás, Ricardo Pinto, João Carlos, Rui Pina e Bruno Tomás. Todos eles fizeram Baby Jane e honraram a amizade que fez desse grupo mais do que uma banda musical. Uma palavra ainda para o Toninho, de quem desconheço o paradeiro, que foi roadie e segurança (mesmo que, por vezes, em momentos menos lúcidos, nos colocasse em situações de insegurança), para o Paulo Semedo, que esteve quase sempre presente na história da banda, para o Bill e toda a família Ferranti, e, por fim, para o Nuno Santos, com quem estive ontem no bar que ele abriu recentemente, na Rua do Século, chamado Século Inn, recordando memórias que trazem sorrisos e muita saudade. O Nuno dizia-me, ontem à noite, entre copos e conteúdo de elevado teor alcoólico: «Ainda hoje, quando vou ter com malta de Miraflores e Alfragide, só me conhecem por Nuno 'Baby Jane'!»
Aquele abraço a todos estes e outros, que sabem quem são.

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quinta-feira, novembro 17, 2005

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quarta-feira, novembro 16, 2005

Italian Wool (Baby Jane)

Se um dia eu quiser
E se um dia eu olhar para trás
Quero poder dizer-te ao ouvido
Acredita que o que queres ser...
.
Serás um homem
Muito importante
Gravatas coloridas
E um bom falante
.
Serás o que todos querem ser
Se eu fosse homem queria ser mulher
.
Querias um carro ter
Passas o tempo a correr
Já não vês o sol nascer
O tempo que passo sem te ver...
.
O sol parece tão distante
A luz do sol é importante
O céu hoje está tão azul
E o meu novo fato importado de
.
Italian Wool (4 x)
.
Mas eu nem quero conquistar o sol
Eu quero é um lugar na empresa que me contratou
Eu quero ser (2 x) ... um robot (3 x)

n.b. - Italian Wool, música que constituía o reportório de Baby Jane, foi escrita, penso, em 1998 ou 97, e gravada em 1999. Música e letra da minha autoria, Italian Wool surge durante um período de adaptação à vida laboral, que, por motivos pessoais, me vi obrigado a abraçar cedo. Trabalhava então como arquivista da Companhia de Seguros Lusitânia... Os outros elementos da banda tiveram também, em 1999, afazeres que os desviaram do rumo que até então havia sido construído em conjunto, e vi-me forçado a gravar Italian Wool sozinho - com participações de Tiago "Carraça" (bateria), "Moisés" (teclas) e João Pestana (baixo) -, sob pena de nunca mais o fazer. A mistura é do João Martins, na desarrumada garagem do Carlos, dos "Beringelas". Gravei eu as vozes (e nunca cantei - a voz do Pinto é incomparável), as guitarras, partes de teclas e instrumentação adicional, além de ter produzido.
Mas não é por acaso que hoje publico aqui a letra de Italian Wool, embora sem música, por enquanto... O estimado leitor terá em breve uma surpresa audível. Com os meus cumprimentos e do Manuel Natário, a quem muito agradeço pela ajuda informática, simpatia e disponibilidade.

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terça-feira, novembro 15, 2005

Citizen Kane, um filme de Orson Welles, 1941. Retrato brutal do magnata dos jornais William Randolph Hearst

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segunda-feira, novembro 14, 2005

Será assim tão difícil encher páginas de letras?

sábado, novembro 12, 2005

sexta-feira, novembro 11, 2005

Perdeu-se uma nota na escala musical, um degrau da escada que sobe dentro de mim

Exorto os meus companheiros - e todos eles irmãos - de Baby Jane a unirmos esforços mais uma vez e terminarmos a gravação das dez músicas que estão "congeladas" há já mais de dois anos na mesa do Guiller. Tinha de o dizer. Mencionei no Caderno de Corda (post de 4 de Junho, sábado) que a "nova" maquete estaria pronta «em breve». «Breve» tardou. Manos velhos, Baby Jane não morreu! «Deixa o teu fogo envolver-me até a música acabar». Baby Jane não morreu! Vocês podem nem ler isto... é o mais provável... mas... «I'm still alive!» João Carlos, Pina, Tomás, Pinto e Paulo. «E o que foi feito de mim?» Vamos sonhar mais um bocadinho. Quem me dá lume?

"A música exprime a mais alta filosofia
numa linguagem que a razão não compreende"
Arthur Schopenhauer

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quinta-feira, novembro 10, 2005

Korean War Veterans Memorial, Washington

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Memória daquele Inverno (Jeremias Cabrita da Silva)

(...)
Pousaram abutres sobre a minha cabeça. Rasgaram-me a fronte e o sangue coava nas pálpebras, encerrando-me os olhos pespegados como cicatrizes semiabertas. Eu era uma pintura de guerra, na guerra, demonstrando amargura habituada. Em monólogo, suplicava como o livre à terra fina. Ansiava, como o bambo, a vindima.
(...)
Jeremias Cabrita da Silva

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quarta-feira, novembro 09, 2005

"(...) Unidos ambos num amor grande como um mar sem praias (...)" (Cesário Verde)

Ao Caderno de Corda não interessa o individualismo opinativo, a recriação noticiosa, a política, os fait divers, o quotidiano esbatido e mastigado como pastilha elástica vezes sem conta, sem nutrir, enganando o estômago. Não interessa aquilo que já foi dito, a reposição da indignação dos outros nem a ruminagem desencontrada do primordial conhecimento: o de nós próprios. Que se escreva muito e bem, blogosfera fora, sobre factos noticiados de interesse público desde que haja algo que do autor parta, uma interpretação, por exemplo, conjuntural ou contextual que, sintonizada a uma exposição escorreita, elucidativa e lúcida, refresque luminosamente as catacumbas tenebrosas e escuras da memória perdida e criatividade empoeirada, adormecida num tombo a letra desenhada à mão, algures na nuca de um crânio. Talvez eu não tenha tempo para o fazer escrevendo... ou vontade, desacreditado da abstracção das massas, da passividade existencial do homem comum, de um alienismo psicadélico na espiral do sonho colectivo, difundido, televisionado e absorvido com avidez. Hoje não tenho, na verdade, vontade para escrever, e se qualquer motivo me ensombrasse, deixá-lo-ia só e silenciado, mas latente. Uma frase, no entanto, que lia ontem, sentado na sanita, não me saiu mais da memória. É de Cesário Verde. Lia-a n' "O livro de Cesário Verde":
"(...) Quando ao nascer da aurora, unidos ambos
Num amor grande como um mar sem praias (...)"
Cesário Verde
Poema: "Setentrional"

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terça-feira, novembro 08, 2005

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Poemas da adolescência 31

Onde estão as escadas, que as não encontro? Dança, rodopia a noite, lençol negro amarfanhado de estrelas confusas, arrastadas num diafragma aberto e tonto. Piões de corda, confettis de silêncio preto e branco refulgente. Tudo retardado. Movimento fino. Deixei-te ver o sítio onde me escondo. Trouxe-te à minha caverna em estado de sítio, castelo de escombros. Mas a candeia do teu peito iluminou-a e, com efeito que nem eu sei, pude ver todos os locais onde na penumbra tropecei. Reencontrei até um velho carreiro de ar pesado, estreito e justo, desfiladeiro de saborear água pura a custo. Atravessei o negror sem susto e cheguei a ti, galeria de luz.

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segunda-feira, novembro 07, 2005

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domingo, novembro 06, 2005

Estórias 7 - Aragón, el gringo de la Chuaterca de los Álamos

Ela tinha as unhas partidas. Na mão, um copo de whisky. A saia destapava-lhe as pernas, os seios transbordavam, redondos, da camisa justa de cetim com motivos florais, e nada se dizia a seu favor naquela casa de ruim reputação. A meretriz dançava ao som da rumba com um salto partido, e a barriga da perna, tensa, fazia-se notar. Ernesto viu nela Cassandra sob o lusco-fusco carmesim e o álcool entorpecente. Parecia-lhe o amor da sua vida, a bela Cassandra que o deixara só, para depois se intoxicar em aspirina, antidepressivos e analgésicos (que Ernesto sempre julgara serem supositórios); beber 75 cl. de whisky; desmanchar, irascível, o vestido de noiva; elogiar Evita Perón e Pinochet na mesma frase, e tudo na mesma noite, na mesma meia-hora. Depois, Ernesto só se recorda de a ver lançar-se da varanda, em voo picado para a glória vertiginosa da morte vomitada de um sétimo andar. Ernesto, o quixotesco caixeiro-viajante uruguaio, levantou-se da cadeira que se ouvia ranger em dias de silêncio solarengo sem música latina, bamboleou-se, ébrio, até junto do balcão do bar em tábuas e pipas, chegou-se ao mexicano mariachi de sombrero e bigode espaventoso e perguntou-lhe quem era aquela mulher. Paquito, o mexicano, que apoiava o queixo nas mãos, e as mãos, uma sobre a outra, na garrafa, parecendo querer selar definitivamente os vapores da mescalina, olhou-o semicerrado de lado como se visse nada senão um vulto.
- Aragón! Tienes que hablar con el gran Aragón, señor de las Chiquititas - disse o mariachi gorducho apoiado na garrafa.
- Pero... quien es Aragón? Donde está el hombre? Las Chiquititas?! Yo solo quiero mi Cassandra...
- Si, cojones! Aragón, el gringo. Cuanto a Cassandra, no hay ninguna Cassandra aquí!
Um homem distinto interrompe o diálogo possível entre os dois burgessos. Era Aragón, senhor das terras de La Chuaterca de los Alamos e mestre soez das perversas mulheres do Chiquititas Palace, antro da vergonha local e da luxúria dos forasteiros. O desencaminhado fidalgo lança:
- No hay Cassandra aquí, pero estavas mirando Ruby. Habla con ella ahora y, si quieras, llama-la Cassandra. Le gusta doggy style. Mañana puedes ir sin pagar.
Aragón sempre fora um cavalheiro e amigo de seu amigo. Na penumbra dos quartos do Chiquititas Palace, Ernesto pensou, enquanto a tequilha performava o seu efeito, ter copulado com a saudosa Cassandra e não a rameira Ruby. Aragón sempre o soubera. Do escritório, observara o mais pequeno gesto de Ernesto, que reconhecera de quando ambos haviam lutado juntos pela causa Zapatista. Ernesto não o identificou sem barba, nem com aquele chapéu de cowboy. Aragón procurara redimir-se depois de, 20 anos antes, ter traído Ernesto, que ficara nos Andes pela causa e dera o endereço de Cassandra ao companheiro Aragón que, ferido em combate, regressava à cidade. Aragón entregou mais do que uma carta a Cassandra, onde Ernesto devotava o seu profundo amor...
n.b. - Escrita recentemente para o Crónica dos Maus Malandros, a "Estória 7" - "Aragón, el gringo de la Chuaterca de los Álamos" - é hoje republicada e dedicada no Caderno de Corda ao Miguel Aragão, que ainda não se dignou adicionar ao Crónica, fechando o tridente Davi Reis - Sheep Shagger - Aragón. Esperamos por ele.

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sábado, novembro 05, 2005

A pensão (hostal) onde fiquei não era esta, mas o local é muito parecido. Se bem que guarde para mim o facto mais curioso desta fotografia, digo apenas que a pensão Fabiola ficava na Calle Fabiola, próxima da Plaza de las Cruces, a rua - ou calle, em espanhol - transversal àquela onde fiquei e onde se situa a hostal "Buen Dormir (Good Sleep)". Eu estava mesmo ali ao lado. Para a direita.

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sexta-feira, novembro 04, 2005

O Regresso

Cheguei há pouco de Sevilha, a tal viagem que, há cinco dias atrás, me deixava o coração apertado na iminência de não estar com o Fidji e com a minha mãe no momento do adeus corpóreo definitivo ao - volto a dizê-lo assim - meu Irmão. Na ida, logo depois de ter entregue o corpo no canil, reflecti o sucedido. A viagem revelou-se frutífera e libertadora, e o Fidji parece até na morte ter sido condescendente com o sofrimento dos donos. Amenizou-lhes a despedida. Durante a noite, enquanto dormia, deixou-se levar e libertou-se, desobstruiu-se daquele corpo que o encerrava e oprimia. Interiorizei, em andamento, já em Espanha, a abnegação e o altruísmo do meu Irmão. Exalto a dignidade dele, «um mero animal irracional» - pensarão eventualmente alguns, que se julgam espécimes de uma casta superior de seres, cuja fagulha da vida lhes é inoculada por dons de magia divina de um Deus que discrimina todas as suas outras criações vivas, em detrimento da qualidade da mais perfeita e amada: o Homem! Volto a agradecer a todos os que decidiram deixar uma mensagem comovente de carinho, amizade e comoção partilhada. Por ter relações fortes e pessoalizadas com alguns dos autores dos comentários, não individualizarei e envio abraços a todos, do fundo do coração. Cada um de vós homenageou e honrou o momento, e deram-me um sorriso enternecido.

Bem, adiante, Sevilha foi um caso de sucesso. Fiquei numa hostal baratinha mesmo no centro histórico, por entre ruelas tortuosas e estreitas com muitas centenas de séculos e cores garridas. Podiam ler-se com frequência, nas fachadas de prédios andaluzes de cara lavada e com pormenores de beleza detalhada, placas alusivas à origem espacial da inspiração luminosa que trovejou sobre Cervantes nas ruas e plazas de Sevilha antiga, e que este desaguou em enredos de genialidade hispanófona vertidos para o papel. A Giralda, antigo minarete da Mesquita Maior, actual campanário da monumental Catedral cristã, estava ali mesmo ao lado da hostal, que, por sinal, se chamava «Buen Dormir (Good Sleep)». E a designação que a casa apresentava no humilde néon branco rectangular à entrada e nos indispensáveis cartões de visita era exactamente como reproduzida dentro de aspas e parêntesis. Mas a Giralda não foi o que mais me impressionou. A entrada na Catedral é assombrosa, espantosa, de cortar o fôlego. Dentro do templo, que é monumental, jaz Cristóvão Colombo, de quem José Rodrigues dos Santos vem agora, com o seu livro Codex 632, dizer ser afinal português e não Genovês; ou melhor: que havia dois Colombos - um português e um medíocre mercador genovês. O português era o verdadeiro herói e, até, eventual espião ao serviço da coroa portuguesa. Quanto a isso não sei, já não me lembro. Era muito novo nessa altura. Resumindo, parece que a Catedral é o maior templo gótico do mundo e terceiro templo cristão. Recordo-me de ouvir isto quando me abeirei clandestinamente de um grupo que escutava uma guia portuguesa com ar de professora universitária a curtir uns tempos em Sevilha. Para terminar mesmo, que muito haveria para contar, Sevilha recomenda-se mas os restaurantes são uma miséria. Preços altos e comida má. Tapas não tapam sequer buraquinhos de fome. A história é riquíssima e fascinante. A fusão cultural é impressionante e única. O trânsito é caótico e os espanhóis - como diria Obelix - são mesmo loucos - especialmente a conduzir. Ultrapassagens inesperadas em aceleração pela direita são prato do dia como calamares. Em dia de Champions, os adeptos do Chelsea que se juntaram por trás da Catedral, no pub inglês, remetiam, com os seus cânticos, para uma atmosfera medieval de pré-batalha. O Bétis derrotou, finalmente, em Sevilha, a invencível armada de Mourinho. Vi também, numa bodega, o meu Benfica perder sem merecer o jogo contra os também espanhóis do Villareal. Vi, portanto, o Nereu "Mãozinhas de Manteiga" tabelar com jeitinho a bola para dentro da baliza. Também é verdade que deixaram o Senna (é assim, acho) completamente solto e livre de pressão para fazer o que fez, e o "Mãozinhas de Manteiga", por sua vez, feito "pato sentado". Mas tudo bem. A viagem foi muito boa, graças, essencialmente, à companhia da minha parceira, amiga e namorada.

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quinta-feira, novembro 03, 2005

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